Texto de Carla Ferreira.
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Na foto o cantor Latino (nem precisa dizer porque né!!) | |
A ministra Marta Suplicy iniciou uma ofensiva entre os medalhões da
música popular brasileira para convencê-los da necessidade da
fiscalização das atividades do Escritório Central de Arrecadação e
Distribuição de Direitos (Ecad), além da mudança das regras que regem a
instituição. Marta já procurou Caetano Veloso e a Gilberto Gil e deve
prosseguir essa semana com as visitas.
O primeiro resultado dessas incursões foi visível no domingo e na terça,
numa reunião no Rio de Janeiro da qual participaram Djavan, Racionais
MC’s, Emicida, Gaby Amarantos, Frejat, Fernanda Abreu, Jota Quest, Otto,
Leoni, Caetano Veloso, Tim Rescala, Ivan Lins e até emissários do
cantor Roberto Carlos.
Em sua coluna semanal no jornal O Globo de
domingo, Caetano Veloso externou uma opinião diferente da que tinha
habitualmente sobre o tema dos direitos autorais. “Os manifestos dos
defensores da manutenção do modus operandi atual do Ecad são pouco ou
nada técnicos — e são alarmistas”, ponderou o cantor.
Seu
artigo fazia menção direta aos argumentos de uma carta-manifesto
endereçada no início de abril aos filhos da ministra Marta pelo poeta e
compositor Abel Silva – e respaldada por inúmeros outros militantes
pró-Ecad, como Fernando Brant e Ronaldo Bastos. Abel escreveu: “Forças
poderosas e nada ocultas convergem como tsunamis com tal furor que a
casa que o povo da música construiu ao longo de décadas pode ruir! E não
exagero. Tudo o que conquistamos se ergue sobre dois pilares : o
direito autoral e o Ecad. Mexeu nisso e desaba tudo, simples assim, e os
nossos inimigos sabem disso”. Caetano rebatia precisamente isso em sua
coluna: “Não é ‘se mexer, desaba’; é ‘se não pode mexer, não anda’”.
A
ministra Marta parabenizou Caetano pela exposição de sua opinião e pela
defesa da nova legislação. “O Ecad tem que existir para arrecadar e o
PLS 129 levará à transparência”, disse a ministra ontem. O PLS 129 a que
ela se refere é o Projeto de Lei 129, oriundo da CPI do Ecad, que muda a
estrutura do escritório e cria mecanismos para fiscalizar a gestão
coletiva do direito autoral. Em tramitação no Senado em regime de
urgência, o projeto tornou o clima em atmosfera de embate renhido. Marta
tomou a dianteira das ações após as blitze dos defensores do Ecad.
O
resultado imediato das suas incursões pela MPB já aconteceu na casa da
empresária Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano. Ela convocou um encontro
realizado na terça com a maioria dos grandes nomes da música brasileira
– incluindo assessores do ‘Rei’ Roberto Carlos. O cantor capixaba
esteve representado por seu empresário e por três assessores (entre eles
Sandra Santana, que cuida da parte de direitos autorais). A reunião não
teve participação do Ministério da Cultura, mas foi convidado o senador
Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que foi relator da CPI do Ecad.
“Paula
me convidou para que eu explicasse o que identificamos na CPI do Ecad”,
disse Randolfe, que defendeu: “O sistema atual é anacrônico e acaba
favorecendo a corrupção, pois não existe fiscalização”. Segundo
Randolfe, que ficou na reunião entre as 21h e a 1h da manhã, o encontro
sinalizou um início de debate. “A decisão agora é dos artistas,
inclusive para fazer o PL 129 andar. É um debate que a classe tem de
travar. Os políticos devem ficar afastados agora”.
O
Ecad vê intervencionismo estatal na proposta da CPI do Ecad. “Toda essa
conversa se desenrola em torno da questão da transparência, e o Ecad
nunca se posicionou contra a transparência”, rebateu a advogada Glória
Braga, superintendente do Ecad. “Ocorre que o PL129 e os outros projetos
de lei que vêm sendo discutidos vão muito além da questão da
transparência. Criam um organismo estatal que vai interferir naquilo que
os autores têm garantido constitucionalmente. É esse ente estatal que
vai determinar quais são os valores e as regras da distribuição, o que é
inaceitável”, afirmou Glória.
O
senador Randolfe Rodrigues disse que o PL 129 “não significa definição
de preços, nem interferência, mas acompanhamento”. E afirmou que esse
acompanhamento tanto pode ser feito por uma instituição dentro do Estado
brasileiro quanto por uma reedição do antigo Conselho Nacional de
Direitos Autorais.
Marta
Suplicy esteve com Caetano durante o show dele em São Paulo. Depois,
enviou um de seus assessores ao Rio de Janeiro, para conversar com
Caetano e Gil. Sabia da resistência do primeiro à mudança. Em 2011,
Caetano tinha assinado um manifesto com posição completamente diferente
da que tem agora. O texto que ele subscrevia, junto com dezenas de
outros compositores, dizia: “Somos capazes de criar e administrar o que
nos pertence. Para isso, não precisamos da mão do Estado. Há dois lados
na questão: o criador que quer receber e empresas que não querem pagar.”
No domingo, em O Globo,
Caetano já mostrou avaliação totalmente diferente (e conciliatória)
sobre o imbróglio. “Não creio que Abel (Silva) ou Fernando (Brant)
estejam protegendo vantagens indevidas; tampouco creio que Tim Rescala e
Ivan Lins estejam lutando pelo poder das emissoras de TV. Suponho que
seja hora de amadurecer a conversa”, escreveu.
Ivan
Lins é um dos que tem se posicionado firmemente contra a atual forma de
gestão do Ecad. “Os critérios de distribuição são injustos,
preguiçosos, incompatíveis com a tecnologia que é usada no mundo todo. O
Ecad canta de galo, dizendo que usa as técnicas mais avançadas, mas na
verdade, é tudo praticamente igual ao que se fazia há 20”, escreveu
Lins. “ O Ecad é importante e necessário. Mas a administração que está
lá tem que mudar. Os critérios de distribuição também têm que mudar, se
modernizar e se tornar transparentes. Quem fica defendendo o Ecad, como
está hoje, ou não sabe nada de direito autoral ou é mal intencionado”.
O
fato que precipitou toda a discussão em torno de um novo sistema de
arrecadação de direitos autorais aconteceu em março, quando o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade) condenou o Ecad e as seis
associações representativas de direitos autorais que o compõem por
formação de cartel, ao fixar preços para atividades do mercado musical.
Também condenou o Ecad por fechamento de mercado. O órgão antitruste
ainda aplicou multa total de R$ 38,2 milhões ao Ecad. Glória Braga
informou ontem que o Cade ainda não liberou o acórdão do julgamento, o
que está impedindo o recurso do escritório.